quarta-feira, setembro 04, 2013

Auto - biografia





Prólogo e primeira parte


PRÓLOGO


O passado não abre a sua porta/ e não pode entender a nossa pena. (Cecília Meireles, Romanceiro da Inconfidência, 1953, Cenário).


A MUDANÇA PARA O RIO.


  Quando cheguei ao Rio, minha boa estrela ainda brilhava, eu trabalhava para o Conde Giovanni De Lord Rinaldi, emprego que Heraldo me arranjou para desenhar projetos. Houve uma vez que fui para a casa do Conde Amadeo, seu irmão e passamos Toda a noite em seu apartamento na Lagoa Rodrigo de Freitas desenhando o novo aparelho da General Acoustics, ou seja o primeiro amplificador para carro do Brasil. Outra ocasião quando andava de carona com o Giovanni a caminho da Lagoa, havia noites sem dormir, só desenhando, então eu comecei a delirar em torno desse projeto de som para propaganda política na transamazônica, foi à primeira vez que agi com o subnível da consciência, como me explicou depois o Alonso.


Política e Grupo Solar


Eu me meti em propaganda política a favor da ditadura, reencontrei o Melo Reis e o professor Rainho que foi contra mim no colégio (academia), era nojento ouvi-los apoiar o AI-5, mas afora isso ainda ganhava algum dinheiro dos clientes de Juiz de Fora, ganhei um bom dinheiro quando levei para o Grupo Solar o primeiro Lay-out a quatro cores em policromia de propaganda imobiliária em Juiz de Fora do "jardim do sol". Uma noite, com rendimento desses trabalhos fui à Rua Alice, onde tinha um fino Bordel e banquei todas as despesas para levar ao cais do porto (Rua Senador Pompeu) uma de suas “donzelas” A minha fama se espalhou e eu me tornei o Rei da cocada preta naquele Cabaré exemplar.


Encontrando CAMI no RIO

Mas os ventos mudaram e o meu lugar de programador visual na “General Acoustics” foi substituído pelo irmão do Conde, e eu fui morar em um quartinho que mal cabiam os meus pés quando me deitava. Foi quando encontrei com o Cami nas ruas do meu Rio. Cami era um amigo com quem tinha aprendido muito sobre técnicas de desenho e dando risada ele me levou para morar na pensão da Maria, que era na Rua Riachuelo. Lá chegando, uma das coisas que ele me disse é que eu precisava de um emprego e que não voltasse atrás, Juiz de Fora era agora apenas um quadro pendurado na parede e que eu fosse para frente. Ele era presidente da AGRAF e trabalhava n' O Jornal do Brasil.


Rio Gráfica e Editora (Editora Globo)


À noite e ele me disse, me lembro como se fosse hoje:
-Vai com Deus! (Como quem diz: - Vai, Jairo! Ser “gauche” na vida) e lá fui eu falar com a Sônia Hirsch, editora da Globo, ela era uma judia que me empregou só pelo Cami, como se me botasse em escanteio para o que desse e viesse. Foi meu primeiro emprego de fato, no Rio, eu disse para ela que estava cansado de ser “free lancer” e queria algo fixo em que pudesse apoiar e quem sabe progredir. Eu passei a trabalhar como “bonequeiro” de quadrinhos nacionais, “comix, Jô Cômix” “Sítio do Pica-pau Amarelo". Foi preciso um período de adaptação e eu chegava atrasado porque passava as noitadas nos bares do Leblon com o Cami e uma turma de outros artistas. Foi um período inusitado em minha vida. A pensão da Maria na boca do túnel Frei Caneca era barulhenta dia e noite. Houve uma noite, que parecíamos os Boêmios de Puccini, que sem ter o que comer apareceu um desenho de uma charge para o jornal DIA, que com adiantamento compramos pão com maionese. Outra vez abri uma lata de conserva da Maria para comer, detalhe: era uma lata do exercito brasileiro na II guerra mundial, que ela guardava como lembrança do tempo que seu tio fora expedicionário. Cami me apresentava todo o Rio daquele tempo, daqueles artistas e seus saudosos lugares dos Dourados anos Setenta.


Free Lance em JUIZ DE FORA


Eu trabalhava para a Editora Globo “full-time”, trabalhava à noite n'O JORNAL DO BRASIL e viajava todos finais de semana para Juiz de Fora onde fazia publicidade para o Eduardo Delmonte e planejamentos de “mesas de Som”. Uma vez fui chamado a projetar uma em Belo Horizonte para o diretor da Siderúrgica Belga-Mineira, durante a viajem eu sentei ao lado de uma mulher de meia idade atraente, cheia de predicados e conversamos até que em dado momento fomos nos aproximando aos poucos e suavemente, de repente já estávamos no fim do corredor, com o ônibus semi vazio não preciso ser tão explícito para contar o que aconteceu, minha vida era assim, cheia de acontecimentos inesperados. Tornamos a nos encontrar mais vezes, só que contando com o conforto de um motel e não de poltronas de ônibus comum. A viagem de volta ao Rio, com a renda do projeto foi de ponte aérea, confirmando assim que voar é o meio mais seguro de viajar.
Certa vez o Heraldo apareceu com uma moto 500cc que na época era enorme e fomos ao seu apartamento, ele com a filha da Betina e eu com uma que se dizia sósia da Cantora Alcione, começamos a ouvir musica e a Alcione começou o streap tease, que clima! Que sedução! Mas a filha da Maria foi uma tremenda estraga prazeres. Certa vez eu e Heraldo tínhamos marcado um encontro, sempre em dois pares, porque era eu quem conquistava, desta feita foi com um incrível anel de bijuteria como presente e uma lábia para ninguém botar defeito, Mas o Rio quando chovia simplesmente desapareciam todos os táxis e conduções e os telefones (orelhões) deixavam de funcionar, conseqüência: perdemos o encontro, Heraldo bufava de raiva. Intrépido, Impávido, incauto e resplandecente éramos eu e o meu Rio daquele tempo. Nada funcionava, mas tudo se resolvia e minha vida seguia com vinte e dois anos de idade.
Estava gostando muito de trabalhar na globo, mas veio uma conversa que eu seria dispensado, mesmo com a miséria de salário que eu recebia, entrei em desespero e o único lugar que eu encontrei para me refugiar foi o cemitério do Catumbi. Mamãe me dizia que tinha que rezar para as almas, mas eu rezei para os corpos, cadáveres e o que mais que tivesse ali. E entrei em um período de auto punição ou penitência, chegava à Editora Globo às seis da manhã e saia por último às nove da noite. Mas foi exatamente aí que comecei a aplicar técnicas de retículas Mecanorma e Letraset um estilo que eu me inspirei no Esteban Maroto de Barcelona e eu era o que mais produzia, houve um rebuliço na editora e a judia foi posta pra correr, junto com a panelinha dela.
O editor que assumiu o lugar da Sônia e Cláudio Paiva foi Felipe Aguiar e o Ambrósio, um cara muito legal e era apaixonado pela Margaret e começou a notar meu trabalho e dedicação na arte final.
Durante todo esse tempo, eu morava no quarto da pensão da Maria (Betina) com o Cami. Eu saía à noite e ia para a praia, sempre nas pedras porque odiava areia, quando fui à pedra do Leme vi pescadores com caniços de molinetes e uma isca com o brilho de uma luz que boiava, ficava cheio de pescadores por ali durante até altas horas da noite.
Houve ocasiões em que eu pegava carona com o Alonso e o Silvio que faziam pós-graduação e mestrado no instituto de psiquiatria em Botafogo. No dia 16 de maio de 1977 ele me deu de presente um valor em dinheiro com que eu poderia comprar o equipamento de pesca noturna.


A PRAIA DO LEME.


No dia 17 não deu outra, eu já tinha ido as Sear's, comprado todo equipamento e queria ir pescar, nem sabendo das Tormentas e Ressacas que abalavam sobre a cidade, cheguei ao local e não vi ninguém, estava deserto, mas eu segui assim mesmo na pedra a caminho do oceano... De repente uma escuridão surgiu com uma onda retumbante sobre mim, refugiei-me rente as pedras, mas a segunda onda arrastou-me para o oceano e quando voltei a tona estava em mar aberto, já não enxergava sequer os altos postes da Avenida Atlântica. O caniço e molinete foram para o mar e eu tentava nadar, ainda que calmamente, logo perdi os sapatos, o blusão de couro, as calças e a cueca, procurava desesperadamente manter comigo a bolsa a tiracolo com os documentos e dinheiro para a passagem,
Ainda não me passava pela cabeça a moeda cobrada como passagem por “Caronte” pela barca do inferno.
Antes de avaliar o perigo da situação, procurei nadar até chegar às margens de pedra, onde pude constatar que eram íngremes e de escalada impossível, principalmente com as ondas estourando sobre mim que me arremessavam cada vez mais para mar aberto. Houve um momento em que eu me amarrei, com a alça da bolsa sobre uma fenda na pedra, - para que? A alça arrebentou com uma onda estourando da tempestade e com o vento levaram-me todas as esperanças.
Não tinha nada mais no corpo ou nas mãos, somente uma camisa de voile, tão tênue como minha própria esperança de salvar a vida naquela escuridão. As horas passavam e eu procurava ver o lado bom das coisas, eu estava em águas tropicais e não tinha nenhum tubarão, coisa comum naquela região, já que havia um interceptor oceânico por perto, que lançava os esgotos no mar. quando as esperanças se foram, começaram a surgir as visões, diante de meus pensamentos, lembrava-me dos entes queridos... Eram poucos que iam sentir minha falta, Alonso que estava no Rio estagiando no Pinel, minha mãe...
Minha mãe que me levava naquele mesmo lugar nas passagens de ano para fazer oferendas à Iemanjá.
Começaram a desfilar diante da minha memória toda a minha vida passada.


Minha Vida descortinando os fatos vividos até então.


Minha primeira infância passava muito obscura, parecendo mais uma mentalização do que me contavam: Eu nasci três meses antes de Getulio Vargas se matar em agosto de 1954. Eu vivia em um pátio de terra vermelha e tinha uma cozinha com um fogão elétrico enorme todo branco parecendo uma baleia e um armário embutido na mesma cozinha. Meu progenitor (Schmidt) não aparecia nessas Lembranças. Nem tampouco eu tinha o seu nome, sei que ele quis que eu me chamasse RADAR e minha mãe queria Radamés, No final apareceu tal de Jairo Toledo Lima que encerrou, diante do padre a discussão. Meu Progenitor era um homem muito bom, quando eu nasci, ele tinha e sustentava dez mulheres mais jovens, creio que minha mãe era sua favorita, porque ele deu para ela quatro imóveis, para que eu pudesse estudar e ser médico algum dia.
Frederico Schmidt (meu progenitor)


A casa do Alonso.


Eu aparecia depois em outra casa com o meu pai (Alonso) que todas as tardes trazia um brinquedo para mim quando chegava da cooperativa. - Eu já estava em outro lar. Neste lar tinha uma irmã (Dida) e um irmão e padrinho de crisma (Alonso) que foi muito importante na minha vida.   
A casa na Rua Ibitiguaia 312, tinha um pátio, onde houve uma vez 40 galinhas, tinha uma copa e cozinha bem grande e minha mãe cozinhava em um fogão de querosene, só não tínhamos geladeira, eu só podia observá-las cheias de guloseimas na revistas Seleções do Read's Digest, foi nas mesmas seleções que eu aprendi a ler e reconhecer que estávamos antes do ano de 1960 com o presidente bossa nova Juscelino Kubicheck, Eder Jofre era campeão de boxe e a Martha Rocha deixou de ser a mulher mais bonita do mundo por duas polegadas. Havia uma Radiola com discos de 78 rotações por minutos, onde eu ouvia O Coração de Luto e me emocionava, também ali ouvi as campanhas políticas de Jânio Quadros e o Marechal Lott, quando Jânio ganhou as eleições. Eu só notei que não tinha trigo nas padarias (era eu que comprava o pão matinal) falavam que não podia haver mais brigas de galo e as misses não desfilariam mais de maiô. Houve uma vez no verão, uma enchente muito grande no vale onde ficava a nossa rua. Lembro-me que papai andava pela casa que eu achava ser enorme e nós, a Dida e a Mamãe permanecíamos na cama como náufragos sobre uma jangada. Veio o tempo da ALCRA, clubinho dançante, na Rua Porto das Flores, no mesmo tempo da bossa nova, eu pedia ao Alonso pelo microfone – "Padrinho", deixa-me cantar! Eu era muito grande para a minha idade, então todas as vezes que eu agia como criança, os outros meninos chacoalhavam de mim. Foi quando surgiram os primeiros comportamentos que posso julgar como anormais.


Eu tinha o corpo de um moleque de 14 anos e só tinha sete na real, isso fazia do meu comportamento com fragilidade me tornasse o alvo de chacotas e eu fiquei à mercê dos moleques maiores da rua.
Uma vez ganhei de presente uma bicicleta de minha mãe, foram umas das maiores alegrias que tive quando o Alonso subiu a ladeira comigo e depois me esperou na descida, foi uma sensação de liberdade tão grande que marcou sempre a minha vida... Mal voltamos para casa, a bicicleta desapareceu da minha vida sem explicações. Desde esse instante minha vida se marcou por esses episódios de perdas e frustrações que eu não superava e começaram a compor a minha personalidade, onde a gente se desfaz de uma neurose, mas nunca si cura de si próprio. Eu passava tempos com a Rose nesta ocasião ela morava no bairro São Roque, bem em frente à Igreja que anos mais tarde encontraria o padre Jaime, depois voltava para casa com papai.
Nessa ocasião a Dida começou a namorar o seu único homem para o resto de sua vida. Para fazer o enxoval, ela mesma fez e bordou todo o seu vestido de noiva e tudo o mais foi dado pelo papai, papai tinha um amor muito grande por sua única filha, ela teve um casamento com luxo e um enxoval completo. Ora, direis! - Como isso era possível se nós éramos pobres. Papai fez um Empréstimo na Cooperativa onde ambos trabalhavam, Embora tenha sido concedido e dentro das normas, pelo diretor comercial, Miguel Hippert. Quem gerenciava o dinheiro e quem determinou o valor foi o papai. Quando foi a tona o valor pediram demissão, mas posteriormente, quando já não estávamos mais lá a dívida foi paga em prestações em todo valor. Todos os dias a gente ia caminhando subia e descia a montanha que separava o bairro Bom Pastor onde ficava a cooperativa de nosso bairro Santa Luzia. Mas foi nessa cooperativa que aprendi minhas primeiras lições, fiz meus primeiros desenhos, foram tão marcantes que me lembro como se fosse hoje: era a bandeira do fluminense e um helicóptero. Nunca me sai da memória o sabor de um queijo parmesão, daqueles que aparecia nos desenhos de Ton & Jerry com biscoito e café. A primeira igreja que eu conheci foi a do padre Francisco. Tinha um cinema ao lado, mas não me lembro de nenhum filme bom, só me lembro de uma confissão ao padre dizendo que roubava pudim de leite condensado que minha mãe guardava para o Alonso, isso foi marcante porque todos contavam e falavam para as visitas e ao ouvir todos achavam graça.


Às vezes eu ia passar um tempo com minha mãe Rose no bairro S. Bernardo, havia a prima Dalva que estava morando conosco.
Rose Margareth Hildefonso (minha mãe)


Internatos.


Mas veio outro tempo em minha vida e eu fui para um colégio interno, esse ficava na Avenida Rio Branco no mesmo lugar onde o Alonso teria sua clinica, CLINEPI e quase em frente de onde seria fundado mais tarde o Ginásio de Aplicação João XXIII. O colégio já era do padre Geraldo Magalhães Pinto Fernandes e ele era parente do governador de Minas, era pessoa muito boa e tratava os meninos como se fossem filhos. Foi um curto período de minha vida que eu só conheci o que era bom. Em decorrência disso eu fui colocado em seguida em um orfanato aos sete anos de idade. Naquela época estava na moda os pais colocarem as crianças em internatos. E todos diziam que eu era muito rebelde e só queria saber de ficar com moleques de rua.
Quando cheguei no orfanato, que fui encaminhado depois, fui submetido a uma hierarquia em que todos maiores mandavam nos menores e a educação pelo medo era a mais exercida no estabelecimento, O regime era de campo de concentração, só não havia mortes. o sistema era de presidiários, só não havia crimes. Foi um ano de privações, violências, torturas, trabalhos forçados e eu nem desenhava, era proibido gastar papeis, brincar de cowboy (com armas de brinquedo) no regime kardecista, não podia rezar “Ave Maria” e (nunca entendi porque)... Nunca podia por a mão na cabeça. Foi sem dúvida nenhuma o pior dos piores anos de minha vida.
Maquete Inst. Jesus


No ano seguinte que eu saí do orfanato fomos morar no centro, eu era permanentemente proibido de encontrar qualquer criança da minha idade, só no colégio de freiras, São Vicente de Paulo. Lá eu desenvolvi o meu desenho com o PUCA ele viria a ser sócio do CAMI, eu desenhava programas de TV em tiras de papel e os colocava em caixa de sapato e os vendia, a professora dizia que eu cobrava muito caro, Tinha uma única professora que ensinava mais religião do que qualquer outra coisa e houve uma vez que teve um sorteio na aula, eu rezei com muita fé para ganhar, ganhei; em seguida outro, rezei e ganhei de novo, Eu fiquei em dúvida com a honestidade de minhas orações, outra vez fui pego pela professora, juro que inocente e ingenuamente tocando no pênis por um buraco descosturado da bermuda, ela não disse nada, mas olhava-me soltando faísca pelos olhos, Eu tremi de medo e tudo ficou por isso mesmo. Talvez isso tenha me marcado.
Nessa ocasião o Alonso começou a me levar ao cinema aos domingos. Assisti com ele “West Side Story e Pistoleiros ao Entardecer”. Isso foi pelo ano de 1962. Os filmes chegavam atrasados na nossa cidade. Eu tinha o costume de sair do cinema e ir correndo até em casa para liberar energias. Quando chegava a casa gostava de reviver o filme em leitura, desenhos e teatro de bonecos recortados em papel (tudo isso eu passei para meus filhos mais tarde). Eu adorava ler, tanto que um dia até cheguei a roubar dinheiro da carteira do Alonso para comprar livrinhos infantis, foi o meu primeiro impulso de cleptomania, ele ficou sabendo e me zangou muito, depois ele mesmo comprava livros para mim. O Alonso era bom, mas alguma coisa não estava certa, eu sentia falta de tudo que tinha na casa de minha mãe, tinha televisão e tinha meu irmão (Cláudio) com quase a minha idade, e principalmente sempre tinha um cachorrinho.
Eu passava alguns tempos com minha mãe Rose e depois voltava para casa do papai Alonso, nessa época em que morava na Rua Baptista de Oliveira, Eu estudava no colégio de freiras com uma sólida educação religiosa, mas quando estava com a mãe ia a centro de umbanda, praticando assim certo sincretismo que me acompanhou por muito tempo. Em uma das minhas orações na gruta da catedral fui recrutado para fazer parte da TFP, pode? No início até gostei, tinha jogos campais tipo torneios medievais, eles empunhavam uma bandeira vermelha, mas de repente eu comecei a notar que eles não aceitavam qualquer idéia cientifica, era só a igreja Medieval. E sai do movimento.


Outro internato.


Então eu me lembrei do tempo que passara no colégio do padre Geraldo e comecei a rezar, eu rezava e fazia promessas para tudo, passar de ano, tirar nota boa, achar dinheiro no chão e até ganhar uma bolsa de estudo no novo colégio do padre. É claro que consegui a bolsa, mas na primeira semana em que saímos a passear em Caeté, aconteceu uma das coisas mais desastradas e traumatizantes de minha estadia lá. A professora de Caeté me reclamou dos alunos e eu ingenuamente disse que eram tão brandos e amáveis e lá no nosso colégio era a maior bagunça nas salas de aula. Isso chegou aos ouvidos do padre, professores e alunos se distorceram e tornaram a maior chacota entre os colegas, eu era sensível e fiquei desesperado e iniciou por aí minhas psicoses, dentre as quais um medo e temor às mulheres. Houve uma vez que começaram a brincar comigo enviando beijos, Eu disse colérico que não permitia isso nem da mãe, aí então foi que pegaram do meu pé. Eu tinha medo até da professora do primário, mas quem não tinha? Era um internato onde só havia meninos e se localizava em uma zona rural. Esse tempo no internato foi marcante para mim, tinha um gaúcho que desenhava (Jefferson Hidalgo) Tinha um nobre (Marcus Glass von Beldrandt) ele era inteligente e me emprestava lápis de cores importados ele era o único que sabia matemática para admissão ao ginásio, isto porque eu nunca apreendi a operação de dividir por mais de dois números. Tinha um Judeu que se julgava dono do mundo (Charles Maia) e tinha o Werneck Portilho que era um amigão. Às vezes aparecia por lá o professor Pável da Academia e os alunos da Campestre, eu admirava muito o professor. Todas as manhãs, a gente tinha que assistir a missa, no início era rezado em latim. Eu até fui coroinha nas missa em latim, mas depois tudo mudou, eu me lembro que um dia o padre chegou e disse que a marcha em nome de Deus, Pátria e Família tinham acontecido e de Juiz de Fora partiu um comboio militar chefiado pelo general Mourão filho e que nós estávamos então livres do comunismo. Eu passava grande parte do tempo desenhando e lendo na biblioteca. Eu gostava muito de filmes épicos e isso me fez interessar muito por história, literatura e língua, nessa ocasião assisti BEN-HUR, A Guerra de Troia, A lenda de Eneias, Spartacus, Quo Vadis e o padre nos contava sobre a história de Roma e dos santos que foram martirizados, mas principalmente da honra dos primeiros romanos. Eu não perdia tempo com futebol, mas nadava e corria muito, tinha assim um corpo equilibrado em uma mente sã.
Minha 1ª foto a cores


O Ginásio João XXIII na Faculdade de filosofia e letras.


Um dia O Alonso não quis que eu continuasse lá, pois havia um colégio muito melhor que fora recém fundado pelo professor Murilo Hingel, futuro ministro da educação, O Alonso namorava a Mírian, quando cheguei à primeira aula de Inglês, a professora perguntou-me: Wath's your name? E eu não soube responder nada, mas a Mirian começou a dar aula de Inglês para mim e no final do ano a professora queria me dar o prêmio de aluno mais esforçado, eu era o melhor da turma em 1966.


Era o tempo dos FESTIVAIS DA CANÇÃO POPULAR.


Parece que foi ontem... O Maracãnazinho lotado, com as torcidas carregando faixas e gritando pelos seus preferidos. O público no auditório da Tv Record vaiando... E recebendo um violão. Eram os anos 60, que consagraram os festivais de música popular e lançaram uma geração de compositores e intérpretes: Chico Buarque, Edu Lobo, Dori Caymmi, Geraldo Vandré, Caetano Velloso, Gilberto Gil, Milton Nascimento, Nara Leão, Elis Regina, Jair Rodrigues e tantos outros. Um tempo em que a música brasileira era soberana na televisão e a grande discussão nas ruas era quem ia ganhar: Banda ou Disparada?
Mas veio uma mudança em minha vida, como o Alonso estava por casar e chegou a comentar com a Mírian, perguntando-me se quando eles casassem com quem eu iria morar? Papai passou a ter um comportamento esclerosado e eu é que pegava o pior, geralmente eu fugia para casa da mamãe que morava ao lado. Mas houve uma vez, que uma tia faleceu e ela foi morar longe, na vila Ipiranga. Eu passei a noite no porãozinho da casa que mais parecia um calabouço e no dia seguinte eu fui para a Vila Ipiranga.


Um mês negro.


Foi um mês, mês de junho de 1967, foi a primeira rodopiada de minha vida, foi o primeiro surto depressivo, foi a primeira vez que eu encarei a pobreza e a miséria, eu me levantava antes do sol nascer e ia cuidar da horta de couves, à tarde ia a pé para o colégio e a noite estudava toda a matéria de uma forma tão intensa que me lembro a lição de francês 50 anos depois. Eu era muito solitário uma vez que Cláudio com ciúmes brigou comigo assim que eu cheguei. Mas eu fui conquistando todos os demais, conquistei tanto que uma tarde Lúcia Helena surgiu diante dos meus olhos com uma cintura e um corpo sedutor, curioso que quando isso acontece parece que rola uma química na gente e não deu outra, a noite Lúcia Helena passou para minha cama. e tudo aconteceu suavemente e devagar devido a sensação de perigo e a cautela de não ser flagrado. No dia seguinte, morrendo de medo, fingi que nada acontecera e ela também, foi um impulso recíproco que nós não o detivemos. “E quem havia de dizer que fora a minha primeira vez. Não podia nem sussurrar, detalhe: era um quarto em comum onde havia mais pessoas dormindo nele, tudo se passou debaixo do edredom.
Assim vieram as férias de julho de 1967, o casamento do Alonso acontecera sem que eu pudesse assistir. Eu permanecia no Bairro Ipiranga e só subia aos morros para soltar pipa, cuidava da horta, aos poucos comecei a fazer pipas para vender. Até que um dia Alonso surgiu na esquina com a Mírian. A mãe Rose chorava que ia levar o seu filho, eu fiquei até espantado, porque pensava que ela nem ligasse para mim, pelo menos assim sempre me disseram.  biografia


O Balão vermelho.


Eu fui morar sozinho na escolinha da Mírian, eles moravam perto.
Foi um período de introspecção, adaptação muito difícil e eu passava as noites caminhando a esmo e tinha crises de anorexia, mesmo sem tomar anfetaminas ou coisas do gênero que eu não conhecia, comecei a fumar no colégio (João XXIII) escondido. Um dia a mãe Rose foi para o Rio e queria me levar, já eram férias. O Alonso não quis de jeito nenhum e me preparou um passeio na Fazenda da Tida para mim, na saída ele me viu comprar um maço de cigarros na rodoviária e depois me disse que até perdi o rebolado... E eu passei a fumar às claras, naquela época estava na moda. Eu adorava a Tida, sócia da Mírian, fui passar o natal com eles, era uma fazenda maravilhosa com cachoeira, Roda d'agua de engenho, Casa grande tipo livros de "casa Grande e Senzala" e um pessoal maravilhoso, pessoas que eu viria a ser amigo mais tarde como Paulo Braz e suas irmãs, algumas filhas do segundo casamento eram criadas por irmãs mais velhas do primeiro casamento do pai da Tida, lembro-me que recebi um presente dela com um beijo na face, fiquei apaixonado por ela.


Cidade maravilhosa.


Depois do natal eu fui ao Rio pela primeira vez no verão de 1968, mas desta o Alonso foi junto logo depois, fiquei na casa da mãe Rose. Ela morava na Rua das Laranjeiras e ele ficou na casa do irmão da Mírian, Mauro, na rua Senador Vergueiro em Botafogo. Eu adorava a Tainá, na minha carência eu me apaixonava platonicamente por todas as mulheres que esboçassem um sorriso para mim. O Rio era simplesmente um outro mundo, quando desci na Estação D. Pedro II quase enlouqueci com tantos carros, ônibus, pessoas e vida urbana, só no Campo de Santana que me acalmei quando mãe Rose mostrou-me as Cutias na grama. O Cláudio só me levou na praia do Flamengo que era suja, poluida e sem ondas, ele como sempre, dizia que Copacabana era praia de "Gran finos" inventava que levavam até geladeiras para a praia. A praia de Copacabana, quando fui com Alonso, Tainá, Mauro ainda não tinha aterro, as ondas quase chegavam ao Copacabana Palace. A praia não estava poluida ainda, era copacabana, pricezinha do mar, com suas areias brancas e puras, suas meninas encantadoramente coloridas despertavam um deslumbrante cenário carioca de se apaixonar. E nos jardins de Burle Marx os carros importados das embaixadas e corpos diplomáticos enchiam as avenidas do aterro do flamengo, onde eu e Cláudio sobre as passarelas tentávamos adivinhar as marca de um a um. para mim que era mineiro que nunca vira o mar ir ao Rio de Janeiro é o mesmo que flutuar.


Vida universitária no ginásio.


De volta as aulas em Juiz de Fora onde eu adorava o colégio João XXIII, nós do ginásio, tínhamos uma vida universitária com a Faculdade de Filosofia e Letras, Eu participei de manifestações políticas, desfiles universitários organizados pelo José Luiz Ribeiro. o Kamil me levou para conhecer o pessoal da galeria de arte Celina Bracher depois de uma passeata que começou na rua Halfeld contra a TFP e acabou como manifestação contra a ditadura. aí eu passei a conviver com universitários da esquerda nas reuniões da Galeria, era a esquerda festiva, fiz uma excursão para Ouro Preto com a turma de Jornalismo e Pedagogia, com essas pessoas me reunia todas as noites na galeria de arte Celina, Fiz cursos de Arte em palestras de PHDs da UNESCO éramos a esquerda festiva e eu comecei pela primeira vez a ensaiar teatro nas salas da FAFILE que também eram do João XXIII, Eu defendi o João XXIII nos jogos de Xadrez onde eu saí em empate.


Sport Clube Juiz de Fora.


Entrei para o Sport Club Juiz de Fora como sócio atleta com o Werneck, eu treinava natação todas as manhãs e saia às noites de sábado para ir aos bailes  onde aconteciam os Diretórios Acadêmicos das faculdades. Depois das saídas dos bailes cometíamos alguns pequenos atos de vandalismo, coisas de adolescente como pescar doce de leite no açougue da esquina, ou atirar chumbinhos nas portas das casas com o estilingue, fazia um barulho e saímos correndo. Foi um tempo bom de amizade com o Werneck, nos bailes de Réveillon e carnaval ele me ensinava a sair abraçando qualquer desconhecida que fosse bonita e que estivesse no meio salão brincando, curioso que elas gostavam. O Werneck era muito boa pinta. Foi com ele que tentei tirar músicas no violão que ganhara de presente do Alonso, era um “Giorgio” modelo espanhol. Eu passei a morar com o Alonso na rua Santo Antonio, Uma vez eu o Werneck e outro que nem me lembro o nome fomos passear caçando passarinho onde era o colégio do padre, no caminho de volta tinha uma bicicleta abandonada na estrada, mas tinha dono, Eu peguei a bicicleta e comecei a andar como se fosse a atitude mais normal do mundo, Nós três fomos presos com a agravante de estar armado e não ter porte de armas e passamos a noite na delegacia, eu entrei em pânico, caí em uma depressão doentia e até o Alonso nos tirar da cadeia não entendia em que eu tinha errado foi então que eu senti mais a opressão da Míriam de de sua empregada de confiança, a Luíza, tudo que desaparecia na casa era culpa minha porque já tinha antecedentes.
Mas logo eu fui me afastando da companhia do Werneck e passei a conviver mais com a turma da Galeria de Arte Celina,


Galeria de arte Celina Bracher.


Nessa ocasião eu conheci Joel Neves ex seminarista e professor de filosofia e estética. Foi na Galeria e ele se aproximou de mim e no grupo Divulgação  fazíamos junto o personagem Terteriev, eu como substituto. Parece que Joel foi resposta a orações onde eu perguntava a Deus o que era realmente certo filosoficamente ele me deu telas e tintas para que eu pintasse, mas eu sempre tinha um bloqueio porque chamavam minha arte de acadêmica. Houve uma vez que surgiu um curso de Litografia com a Lotus Lobo e havia muita gente boa interessada como Sergio Macedo, Arlindo Daibert, Fernando Pitta e o Cláudio Lacerda que veio a ser meu grande amigo. Na Galeria tinha o Marcos Segundo que era um gay enrustido, que sempre criticava o que eu desenhava, tinha a Fayer que era uma alemãzinha de São Pedro muito simpática que logo terminou com o Marcos e outros pintores como Dnar Rocha, Renato Stehling, Waldir Ramos, Coelho além dos Brachers, obviamente.


A difícil adaptação nos outros colégios.


Eu me destacava entre os demais alunos e então comecei a ter uma vida extracurricular muito mais intensa que o colégio. No ano seguinte eu fui para o Colégio Jesuítas e como me destacava por ser revolucionário e ateu, passei a ser perseguido pelos colegas, Eu não fiquei mais que um semestre lá. Eu saí do colégio jesuítas e fui para a Academia, por orientação do professor Pável, eu trabalhava e custeava meus estudos dando aulas de Cerâmica e marcenaria no Depto de artes industriais, mas eu não fui o Aluno exemplar que ele gostaria que eu fosse e como o professor Rainho me deu um ZERO em matemática por W.O. eu não me recuperei e não passei de ano. Veio então um período de surto, anorexia, síndrome de pânico onde eu julgava ser perseguido, paranoia, mas aquilo me perseguia e me atormentava a ponto de romper com as minhas defesas e eu duvidava tanto da minha própria força já tinha 1.80m e da minha masculinidade. Mas ao mesmo tempo veio uma explicação pelo Alonso de que se eu não tive uma vida normal, logo não poderia viver como uma pessoa normal, As coisas aconteciam comigo, sem que eu tivesse controle sobre elas, Tudo que eu queria era ser uma pessoa com um Caráter forte e andar nos trilhos.
Uma noite eu tive um ataque de histeria e sai correndo, chorando pela rua e o Alonso veio atrás dizendo que não gostava de palhaçada. Eu voltei a morar com o papai depois de uma conversa com a Míriam.


A volta para rua São Bernardo. 


Eu comecei a estudar alemão na filial do Goethe Instituto em Juiz de Fora, O Claudio Lacerda e o pai dele também, não me lembro exatamente o ano, mas eu ainda não me chamava Schmidt. Lembro-me como se fosse hoje como o José Luiz Lignani dissera para a Amorita:
- Amorita! Como é que você não sabe essa resposta carregando consigo o sobre nome Schmitz?
Eu tinha um progenitor com o sobre nome SCHMIDT com DT, Família tradicional de Juiz de Fora e não podia exibir isso porque era bastardo. Houve uma vez que o pai Alonso me registrou para algum colégio e ao perguntarem o nome do pai, ele respondeu com franca frieza:
-Ele é filho de mãe solteira, para mim isso nunca tinha me incomodado, mas o tom de voz que ele usou foi muito duro para mim e ficou marcado em minha vida. Logo em seguida Meu progenitor Schmidt foi comigo, papai e o Alonso em Santana do Deserto para fazer novo registro de meu nome e eu passava a ter um nome alemão do qual muito me orgulharia.


MARTHA KRANERT BORGES.


Buscando uma seqüência de acontecimentos chega a vez de descortinar diante dos meus olhos A Martha. Nós estávamos no clube bom Pastor, eu Cláudio e Julinho, a gente andava juntos, fazíamos coisas incríveis juntos e juntos íamos aos bailes daquela época.
Nessa noite havia uma menina loira que se destacava das demais e ela já tinha recusado dançar com uns quantos pretendentes. O Julinho que sabia disso queria que eu quebrasse a cara me disse:
-Ali, Jairo! Que Menina linda! Aposto que você não consegue tirá-la para dançar. Cláudio também apostou. Parece que é hoje, primeiro eu viro o copo que tinha na mão e intrépido como um conquistado eu a convido gentilmente para dançar e ela esboçando um belo sorriso vem para os meus braços deixando Julinho e Cláudio boquiaberto sem terem o que dizer.
E aí dançamos tantas danças que a noite inteira ela ficou comigo e foram tantos beijos loucos tantos risos soltos que trocamos endereços, telefones e até confidências. Ela morava na rua Maestro José Botelho e tinha sido “Senhorita Niterói” um tipo de miss. Nós marcamos encontro para a noite seguinte de domingo, ela estava na casa de sua tia, naquela época as coisas demoravam a acontecer, namoro era com respeito, motel nem pensar, só pegar na mão, abraçar e dar uns beijinhos. Ficar? Isso não existia e a gente era um pouco medroso, porque eu teria conseguido muitas meninas se tivesse insistido. Assim foi o desfecho do primeiro ato com Martha Kranert Borges. E o tempo que era parceiro de todas as quimeras, fantasiara aquela noite nas minhas lembranças.
Martha foi crescendo na minha fantasia, era uma deusa nórdica, eu a desenhava pela minha imaginação e não sei se foi por ironia ou para estimular minha fantasia que não fiquei com um só retrato de seu rosto real.
Lembro-me de ter tido a coragem de escrever para ela o que jamais diria ao vivo para ninguém. Era a descrição de uma fantasia de amor para ninguém resistir. Eram cartas ardentes e inspiradoras escritas com palavras cada vez mais sedutoras .Colocava-a em um pedestal acima de todas as musas dos Campos Elísio. Era uma coisa de outra época, ela não existia, era a imagem da poesia que soava mais alto e suavemente nos meus desejos mais íntimos. Ela me responde dizendo que leu do princípio ao fim e se emocionou que não conteve as lágrimas. Minha outra carta foi escrita em Belo Horizonte, no parque municipal remando no lago – era a descrição perfeita de um quadro impressionista de Claude Monet. Esse quadro era uma pintura na carta descrita em palavras por minuciosos detalhes que inseriam a nossa presença naquele cenário impressionista sem ser carola nem brega era simplesmente a extrema sedução que uma mulher poderia receber naqueles anos setenta quando a maioria das pessoas não tinha palavras, eu surpreendia a Martha com um turbilhão eloquente de expressões e sensibilidade. A imagem do que ela representava expandiu e ela cada vez mais resplandecente evoluía na minha imaginação. Diante de tanta emoção ela não se conteve mais pegou o primeiro ônibus interestadual e veio ao meu encontro.
Ao descer na rodoviária, ela radiante e emocionada pelo reencontro contava os segundos para me ver... Ela me viu e ficou estática, parada e muda de emoção e deslumbramento.
Eu passei direto, pois não a reconheci, na minha imaginação ela se transformara em outra pessoa.


Oleg Abramov.


Houve uma vez quando Cláudio Lacerda me introduziu na turma do professor Oleg Abramov do CTU, Eu admirava o Oleg por passar ao filho toda uma tradição, língua russa e costumes nobres de antes de 1917. Eles falavam o russo e escreviam com alfabeto cirílico em casa, Eles frequentavam a igreja ortodoxa.
Em uma ocasião, a gente foi em um acampamento, quando ainda estudava alemão, mas já tinha o nome de meu progenitor: Schmidt, mas ainda tinha a mágoa de ser um bastardo, uma noite me enchi de cachaça e abri minhas declarações teatralizadas para o cachorro do Oleg. Eu dizia: Ser ou não ser? Mas eu sou um Bastardo!... e colocava textos de teatro Shakespeariano e citações filosóficas, coisa comum quando ficava de fogo.
Esse acampamento foi marcante em minha vida, em minha juventude, eu só tinha acampado uma vez com o professor Pável e fui desligado da turma por causa de minha revolta religiosa. Esse aconteceu depois que eu me surtei, eu tinha conhecido o Theo Verbruegen, depois que estive na Cojub, eles até me visitaram na clínica de psiquiatria São Domingos quando estive um mês internado. Cláudio Lacerda e Oleg queriam que eu fosse mesmo contra o Theo que disse que eu era um elemento de má influência pelas idéias que propaguei pela Cojub e pelo fato de ter me aberto em confissão com ele e contado alguns problemas íntimos, tal como ser um bastardo.
E eu fui, Que lugar fascinante! Parecia um shan-gri-lah, cercado de montanhas, isolado do resto do mundo, um vale repleto de maravilhas onde o acampamento se instalou em uma pequena colina à principio eu fui meio tímido, mas em seguida eu me entrosei e passei a tirar muito proveito com a convivência. A gente passava todo o tempo realizando tarefas cantando ou cantando ao acompanhamento de algum violão e quando chegava a noite sempre havia uma fogueira para reunirmos e contar histórias. Imagine conversar com alguém cujos pais conviveram com o Kzar e toda nobreza russa, alguém que atravessou toda a Europa durante a segunda guerra mundial fazendo contrabando de cigarros e chocolate e veio parar no Brasil para trabalhar com Engenharia elétrica onde levou um choque de 22.000 volts e sobreviveu para nos contar histórias.
Esse era o primeiro acampamento dos anos sessenta e setenta em que se fazia a experiência educacional de levar homens (escoteiros) e mulheres (bandeirantes) Eu, Cláudio e Luiz não éramos escoteiros, entramos de gaiato na panela. O Oleg levou sua mulher, seus filhos e seu cachorro: Dick. Havia pessoas da COJUB, tinha a Lúcia Pips, que tocava violão e tinha a Eliane com seus cabelos curtos e loiro naquela época não se viam muitas loiras de salão, seu porte europeu, sensual, parecia uma holandesa. Eu nem a conhecia quando a via sempre de longe com seu uniforme azul. Ela sempre me atraiu, mas ali no acampamento era inconcebível qualquer tipo de paquera.
Aconteceram muitos fatos incríveis, divertidos e educativos. Eu, Luiz e Cláudio Lacerda ficávamos em uma barraca separados gozando com toda turma de escoteiros, nada ofensivo, coisas saudáveis como perguntar por que a minhoca caga terra? Houve uma vez que escalamos o pico de uma montanha no vale até encontrarmos ninhos de aves de rapina, não sei se era gavião ou águia, mas o Cláudio escorregou e quase despenca pelo rochedo se não estivesse com uma corda amarrada a mim. Eu salvei a vida do Cláudio e já me tornei um pequeno herói. Pela manhã fazíamos Ginásticas, os homens faziam pontes e atividades campestre e as mulheres cozinhavam. Havia uma máquina de escrever e eu era o redator-chefe do jornal, também era ilustrador e cartunista. O que não faltavam era notícias locais porque acontecia de tudo e tudo era divertido, afinal, eu tinha sido o redator do jornal da Academia pouco tempo antes e levara entre outras coisas uma entrevista com o Theo Verbruegen. O jornal tinha desde fofocas até citações filosóficas.
Todas as noites ao redor do fogo. Eu, Cláudio e Luiz nos divertíamos, alguns ficaram enciumados por não serem tão populares com as meninas, embora houvesse segundo elas, outros com corpos mais sarados, que praticavam mais esportes, acho que naquela época isso não era tão importante.
À noite em que foi prevista uma apresentação de teatro, a gozação foi genial, foi pura risada de todos os lados. Eu fazia Romeu e Julieta era ninguém mais que Eliana, Minha Eliana era Julieta. Foi uma esculhambação por todos os cantos, mas eu citava textos da peça de Shakespeare. Tudo acabou em gargalhadas gerais, mas entre mim e Eliana brotou uma pequena insinuação de olhares e flertes silenciosos.
Para despedida a turma foi dividida em grupos e um grupinho à parte espalhou durante toda semana pistas por todo território e os outros grupos saíram em patrulha atrás das pistas, Cláudio vinha atrás com uma mochila cheia de remédios, contra gripe, pressão baixa, picada de mosquitos e até picada de aranha. No final Bate o gongo e a equipe vencedora que não foi a nossa apareceu com um enorme porco abatido e espetado em um eixo com uma manivela e foi assado em um fogo de chão em pedras de granito e esse foi nosso almoço a vontade.
Eu era conhecido por discutir com os outros sobre o evolucionismo Darwiniano, eu era contra a Ditadura também e como a bandeira da ditadura começou com Deus, Pátria e Família, se eu não estivesse contra estaria a favor das torturas da censura e da opressão do AI-5, mas nunca neguei Jesus Cristo.
Houve então no ultimo dia uma missa campal, É claro! Para surpresa de todos que eu não apenas respeitei como participei profundamente. Theo Verbruegen foi ao acampamento levando um sacrário para que todos nós comungássemos.
Logo depois houve a execução do hino nacional brasileiro onde eu também participei com seriedade, Ora! O Hino está acima da política e dos políticos. O Oleg reparou o comportamento de todos e depois elogiou o meu. Eu que era considerado um subversivo, anarquista e até ateu. Assim terminou esses dias fascinantes e divertidos.
Para fechar com chave ouro houve um encontro de todos na casa do Oleg, tipo
festinha dançante. Eliana não se conteve e nós dançamos unidos toda a noite por longos beijos e abraços, que coisa linda a juventude, Cláudio ficou com a Lúcia Pips.


No dia seguinte fui procurar Eliana, ela morava na casa que foi a escola da Mírian, onde eu passei a solidão da minha adolescência problemática. O Oleg disse que relacionamentos que surgem em acampamentos não podem dar certos e fez com que tudo acabasse contando um monte de bobagens para Eliana, como por exemplo, que eu e Cláudio Lacerda tivéramos Sífilis. Mas a vida continuou e uma boa lembrança foi o que restou e eu nem briguei com o Oleg. A Eliana veio a namorar o João Cambraia um dos caras mais insanos que eu já conheci, fui fazer com ele uma decoração no clube Juiz de Fora onde eu desenhei um cartaz enorme e a figura central era o rosto da Eliana. 


João Cambraia.


João Cambraia (Duda) foi um desses amigos completamente exóticos que surgiram na minha vida, ele tinha estudado comigo no João XXIII e agora se apresentava mais presente do que nunca. Ele era primo do Italo Della Garça e a gente pegou estrada pedindo carona em pleno movimento hippie. Viajamos por Minas Gerais, passamos por Campos no Estado do Rio, em Niterói ele me apresentou uma turma de Alemães e fomos parar em pleno carnaval no apartamento do Sidivan no Leme, onde após preparo de última hora saímos em uma ala da Portela cantando Pixinguinha na Av Presidente Antonio Carlos. Uma vez João Cambraia se juntou comigo para fazer na feira de ciência da academia uma máquina de fazer barulho e dizer que isso era sub-produto para as neuroses. Outra vez João Cambraia apareceu com a chave de um apartamento no Rio em Santa Tereza dizendo que tinha uma noiva americana e que ele ia conseguir com ela um “green card” e ir para lá fazer faculdade e não deixava por menos, era de medicina nuclear, eu fui com ele até o Rio e conheci o apartamento, mas não vi noiva nenhuma.


Geração Bicho Grilo.


Nessa época eu estudava alemão, fazia teatro novamente no grupo divulgação e participava do cine clube e da galeria de arte, conseqüentemente eu não via muita utilidade em ficar estudando Religião, OSPB e Moral e Cívica, mas a pior de todas era a matemática. Foi a ocasião em que eu fui amigo da Christina Delmonte, um dia eu escrevi na sua carteira “ich liebe dich” ela copiou em sua borracha sem saber o significado. mas foi indo que eu não me agüentei e revelei através de terceiros e ela acrescentou o nome do namorado dela. Nessa Ocasião entrou na moda o movimento hippie, é claro que eu não podia deixar de participar, todos participavam. Chegou a acontecer no parque Halfeld um festival de uma noite, o MERCARTE, que as pessoas gozavam “MERCARTE seja HIPPIE por um dia”. Nesta noite apresentamos junto com o grupo divulgação nas escadarias do forvm o “Romanceiro da inconfidência”.
Eu resolvi ir ao festival de Guarapari, uma espécie de Woodstock tupiniquim, Eu até fui de Ônibus, mas nem sei o que fui fazer lá, sem dinheiro, levei comigo papeis e pinceis para desenhar e tentar vender para a sobrevivência, como um hippie qualquer, nesse festival o Toni Tornado se drogou e se atirou no público quebrando a costela de uma menina na platéia, e esse mundo cão em plena ditadura não podia nos dar uma boa acolhida, eu cheguei a vender um quadro para um "gay" que andava por lá e logo em seguida antes do início oficial do festival eu fui preso em um Ônibus com 150 hippies e fomos despejados na fronteira de Espírito Santo com Minas pelo DOPS, A viagem de volta fui surreal, lembro-me ter passado em uma propriedade rural, onde eu falei algumas palavras em alemão e o proprietário me deu água, um pão integral (schwartzbrot) com um salame colonial. Eu segui a pé na estrada até que mais adiante encontrei um daqueles que tinham vindo comigo, depois de algumas palavras ele me deu um comprimido que eu perdi completamente a conciência e a memória. Essa falta de memória envolvia o trecho entre Manhuaçu, Manhumirim, Muriaé e outras cidades até que cheguei em uma cidade pequena, talvez uma destas que tem seus típicos boêmios onde encontrei um e começou a conversar comigo depois me levou para uma mesa em um bar onde havias uns jogadores de cartas e eles fizeram uma vaquinha para eu comprar a passagem de volta para casa. Quando cheguei e encontrei o pai Alonso ele só me disse:
-O que quer que tenha acontecido não importa, o importante é que “vancê” tenha voltado.


Clinica São Domingos.


Quando chegou maio de 1970 eu tive um surto e fui internado por um mês na Clínica São Domingos, eu cheguei lá em estado de euforia, Megalomania e hiperativo lembro-me que em uma apresentação dos louquinhos eu comecei a declamar tocando violão em improvisos sem nexos, mas que chamaram a atenção de todos, inclusive da assistente social. Nessa época eu convivi com Renato Stheling na clínica que me deu telas e tintas para pintar na minha estadia por lá. Eu era assim: excêntrico, exótico, elegante e atraente, houve uma noite que a acompanhante de uma doente, muito sexy, diga-se de passagem, estava comigo na sala de praxiterapia e de repente ela avançou sobre mim, me beijando e se esfregando, como era boa!...A minha juventude e eu nem sabia.


Quando saí do estado de impregnação neuroléptica, parecia que o mundo tinha mudado, Eu enxergava a realidade de outra maneira, mas de novo o professor Fernando Rainho não me deu chance de fazer outra prova, que aconteceu quando eu estava internado e tive outro zero, outro ano letivo perdido.


Grambery.


Fui estudar no Colégio Methodista do Grambery, eu e o Kamil nos encontramos na mesma sala onde eu fui presidente de turma e quem lecionava português era o professor Flavio da TFP, ali sim, eu fiz o maior rebuliço, mas graças ao Nilo Ayupe eu passei para turma da manhã e tudo deu certo,então, pela primeira vez eu descobri que tirando as melhores notas também conquistava amigos e influenciava colegas. Eu que perdi tanto tempo, sendo um aluno relapso agora desfrutava do prazer de ser um dos melhores da turma. Foi onde conheci Wesley Aragão Moraes. Wesley foi uma amizade que durou para sempre, tínhamos afinidades no desenho, mas não parou por aí, começamos a fazer história em quadrinhos juntos e juntos desenvolvíamos técnicas de cores e materiais, Wesley tinha uma disciplina e capacidade de produção incrível, começamos a fazer yoga juntos, eu parei, ele continuou, fizemos desenho animado, ele produzia a maior parte. Certa vez cheguei a passar uns dias em sua casa quando sua família mudou para Niteroi. Ele continuou a estudar no Grambery e foi o único a passar no vestibular de Medicina, a gente só se afastou quando ele passou a estudar medicina e eu comunicações.


Grupo de teatro Divulgação.




Eu sempre aparecia pelo Grupo Divulgação, desde os tempos da FAFILE, fazia cursos, fazia ator de reserva, jograis como em Romanceiro da Inconfidência, enfim fazia qualquer “quebra-galho”, Em 1971 eu entrei na peça ESCORIAL de Ghelderode, era uma coisa mágica, cheias de mulheres bonitas fazendo alegorias sob o som de Carmina Burana e eu entrava como gladiador com leitmotiv “fortune plango vulnerá...”A peça era apresentada em um espaço improvisado no antigo forvm que seria o teatro municipal de Juiz de Fora e se torna uma promessa não cumprida. Neste ambiente surrealista eu cheguei a paquerar umas meninas lindas que participaram esporadicamente do grupo, depois veio romanceio da inconfidência já citado na noite do MERCARTE, mas desta vez eles iriam encenar uma superprodução de Schiller: Maria Stuart traduzido pelo Manuel Bandeira, Eu peguei o texto e comecei a ler no recreio do Grambery, quando chegou a fala do personagem Mortimer, baixou o santo sobre mim, diriam na Umbanda, não era mais eu que estava ali, era Mortimer, tanto que à noite no primeiro ensaio, todos ficaram maravilhados com a minha leitura, leitura? Eu já sabia as falas de cor e logo decorei as falas de todos. Malú sempre gostou de mim veio pessoalmente e perplexa elogiar a minha leitura, Mortimer foi o primeiro personagem definido que seria Jairo, embora eu penso que foi Jairo que se definiu que seria Mortimer a partir daquele momento. Foi uma mudança radical em minha vida, eu me afastei de todas as meninas e amigos da minha idade e afora o Cláudio que também entrou para o teatro e Wesley com quem sempre mantinha a afinidade de desenho. Houve no início dos ensaios uma atração entre eu e a Lea Kegele Clliford, que fazia o papel da rainha escocesa, mas logo ela e o José Luiz Lignani se acertaram, prejudicando até mesmo a sólida amizade que tinha com o José Luiz Lignani. José Luiz era além de meu professor de Alemão, um colega para toda atividade, ele me ensinou a montar um transmissor de AM e me deu um telescópio quando ele ganhou um do Travinick, Nós ouvíamos operas de Wagner, quando o Brasil ganhou o jogo contra Itália na Copa de 1970. Ele estudava Física Nuclear na UFJF e era o único aluno de sua turma. Eu passei a freqüentar a casa de José Luiz Ribeiro e Malú e quem também estava lá era LEDA NAGLE, era uma gordinha muito bonita, uma noite depois de umas cervejas eu me declarei a ela. Usando sempre aquele charme de “As Palavras de Sartre e ela se maravilhou comigo, mas era uma relação muito instável, parecia que estávamos sempre representando uma comédia, até mesmo quando pintou uma química entre nós, eu não soube reagir, foi quando fizemos um passeio com toda a turma. Eu estava no 4º ginasial, ela já estava se formando em Jornalismo, assim a gente foi levando durante todos os ensaios. Pedro Paulo Taucci que sempre queria ser melhor do que eu era meu rival na peça, havia a irmã do Zelu que arrastou asas para o meu lado e eu não correspondi, então imediatamente ela se foi para o Genival e sempre que isso acontecia. Elas passavam a se antipatizar comigo, eu só ficava com a Leda, porque nem sabia se aquilo era ficar. Quando minha roupa ficou pronta era roupa mais bonita do figurino masculino, foi a mais demorada para confeccionar, eu que sempre me vesti de maneira humilde com o que sobrava do Alonso entrei em delírios, e todos me achavam chato e narcisista. Mas o tempo foi passando e eu com a Leda fui ficando até chegou o dia da apresentação, recebemos um telegrama que Paschoal Carlos Magno vinha assistir nossa peça, era a glória. Paschoal era o homem que tinha lançado Paulo Autran, Sergio Cardoso e feito tudo pelo teatro brasileiro. Estávamos todos no”Faisão dourado” depois da apresentação e Paschoal criticou um pouco o rítimo da peça, que só tomou força interpretativa quando comecei a digladiar conta o Taucci através de palavras, mas ele disse que Taucci estava péssimo no monologo final, nesse instante eu apertei um cálice entre os dedos quebrando-o, eu tinha esse costume, não sei se era por uma neurose ou se por pura mise-en-scène. alguns achavam que era para chamar atenção mesmo. O sucesso como ator provocou intrigas e despeito, muita gente que eram amigos passaram a me tratar como antipático. Mas outra peça começou e a Leda e Malú me apoiavam. Agora eu tinha que provar que era ator tipo pé no chão, uma peça que se passava no nordeste, Cancioneiro de Lampião, com musicas lindas que a Sueli Costa fez só para nós. Durante a apresentação no festival de teatro no Rio, muita coisa rolou, Eu assumi o padre Cícero com tamanha inspiração que nem parecia que era eu quem estava ali. A Delma Rocha me apresentou a Helena que morava em Botafogo sozinha, em uma noite quando estava em um barzinho no Leblon com um dos atores e sentou-se a minha mesa Victor André Arruda, casualmente eu levava comigo “The picture of Dorian Gray” Nós conversamos muito sobre literatura e ele era um cara fascinante, Delma Rocha se apaixonou por ele quando apresentei-lhe .Eu dormia na sala do apartamento junto com Helena, mas não sabia usar preservativos e tinha medo de sexo, de vir a gerar algum filho ou de ter mesmo algum compromisso. Quando Helena foi a Juiz de Fora, eu achei incríveis as cenas de ciúmes que a Leda fazia, eu pensava que não houvesse nada de sério entre nós fui muito indelicado e porco chauvinista quando atravessávamos a rua da Lapa, bastou uma palavra minha e tudo se desabou, mas também acho que nada nunca começou. Eu estive outras vezes sozinho com Helena, fomos juntos de mãos dadas ao jardim botânico e nunca soube induzir a acontecer nada: era medroso e inexperiente.
Assim chegou o fim do ano de 1971, Taucci dizia que faria troça ao chamar-me, mas foi a Leda Nagle que com empolgação e vibrando chamou no cine Excelsior Jairo Radhar Schmidt para ganhar o prêmio de ator revelação em “Maria Stuart” e melhor ator no festival de teatro do Rio. Junto com esse ano triunfante terminava com louvor o ano letivo no colégio Grambery.


Diretor de Teatro.


A academia disputava os elementos do Grupo Divulgação para estudarem lá. Uma vez tínhamos que fazer uma dramatização ou jogral sobre as invasões bárbaras germânicas e eu fiz um texto a partir do anel do nibelungo e me joguei de cima da mesa do professor, mas tinha conteúdo e tratavam-se bem da matéria, todos tiraram dez, até mesmo um que entrou de gaiato no final só para operar o gravador k7. Eu fui o diretor de Teatro na Academia, começamos a ensaiar a peça de Ariano Suassuma “O auto da Compadecida” Eu promovi laboratórios de emoções, formei bons atores nessa mesma época participei de um salão de artes plásticas com o melhor trabalho embora tenha perdido injustamente o primeiro lugar, eu conheci a Cida,(Maria Aparecida Barral Ferreira) começamos a namorar mas ela queria que eu conhecesse os pais dela, então eu caí fora, ela nunca me perdoou, nem quando fomos colegas na faculdade na turma de jornalismo. No dia 5 de abril de 1973 decido passar a direcionar meus estudos para o ICHL e faço yoga à tarde.


Christina.


Cláudio estava trabalhando na ATEL e quis me apresentar ao Heraldo, toda pessoa loura que eu conhecia, ou queria como amigo ou se fosse mulher me apaixonava. Eu passei uma noite na casa do Heraldo querendo causar boa impressão, pois dependia dele aprovação de uns trabalhos. Cláudio notou que quando falava com ele não cometia erro algum tanto de português assim como a lição de xadrez que ele me pedira fora perfeita. Nessa ocasião eu me aproximei da Christina Delmonte, coisa que nunca havia acontecido antes. Eu fiz uns trabalhos de nanquim com pincel aquarela aguada e deixava em sua casa como presente e ia embora sem esperar por agradecimentos, quando eu estava fazendo estória em quadrinho. Lembro-me de antes de ir ao festival de teatro no Rio isso já acontecera, então aconteceu novamente com a NIKON FTN que ao acabar de desenhá-la, Cláudio Lacerda telefonou-me e nós saímos para fotografar com ela. Eu fotografei Christina, Rogério e fizemos uma tarde agradável. Essa aproximação e esses quadros que eu presenteava para ela fizeram com que ela e o irmão me encomendassem um grande painel na vitrine da Delmonte, eu reuni nossa história, o quadro com a nikon, Uma mulher subindo aos céus envolta em lençóis como a obra de Gabriel Garcia Marques. O mundo fashion, Bertolucci, diretores italianos e foi um painel de mais de 10 metros x 200, um sucesso total. Na sexta feira 13 de abril de 1973, saímos de carro, ela guiando um Dart, tomamos água da fonte na Garganta do Dilermando e mais uma vez eu fico com medo de relacionar com alguém que queria. Ela era rica demais.


ATEL e Click.


Passaram-se trinta dias e o fato mais importante é que o CAMI chamou-me para trabalhar no Studio de publicidade dele, vem uma fase de paixonite pela Christina, mas eu não me animo a sair com ela por causa da minha pobreza.
Em virtude disso eu invento de fazer uma grande burrada que é deixar meio de lado os estudos para me dedicar mais ao trabalho, nas férias de 73 eu vou trabalhar na ATEL com muito boas recomendações, eu era o responsável pela seção cine-foto e pela compra de discos, mas de repente o Heraldo briga com o Flávio Gerheim e eu sou acusado de espionagem comercial. Então eu começo a decorar em 1973 a minha primeira loja: Click foto eletrônica, passo a estudar a noite no colégio Pio XII do Josino e me dedico integralmente de corpo e alma ao trabalho na loja. Naturalmente que a loja foi um sucesso e depois dela vieram outras: Arpel dos Delmontes, Malharias, Lanchonetes, a boate Vivabela e a obra máxima; o escritório de Mauricio Jung. E também o apartamento do Dr. Vicente e Dalila.


Gláucia.


Gláucia merece um tópico só para ela, tudo se concretizou em uma bela tarde de domingo quando nos encontramos bruscamente na porta do elevador do prédio, eis então que ela surge linda, como nunca a tinha visto. Nós saímos juntos e fomos tirar fotos na “industrial mineira” que parecia um pedacinho da Europa em Juiz de Fora. Leonardo e outro sujeito insignificante também foram e a frustração diante da presença deles levou tudo ao fracasso. Quando fomos para casa Gláucia foi até o meu quarto e havia algo nela tão fascinante que jamais poderei descrever depois de tudo que aconteceu eu apenas pude lhe dar de presente uma pulseira insignificante de revista. Mas é incrível. Ela entendeu profundamente o meu gesto e foram tantas noites belas, incrivelmente bobas como não se usava mais, e foi tanta felicidade que todos que viam nem ouviam mais, foi um jantar romântico nas festas das nações e na roda gigante no ápice entre as nuvens surgiu o primeiro beijo de tantos outros que trocaríamos depois. Mas tudo tem seu encanto também tem desencanto, havia entre eu e ela uma relação lembrando alguma coisa incestuosa, eu não me atrevia a tocar em seu corpo nem quando ficávamos sós. Ela foi comigo até nos lugares em que eu passava minha infância em solidão soltando pipa, eu sei que eu mexia com ela, mas meu comportamento reprimido e tímido afastava qualquer possibilidade de desenvolver a relação. E assim, caindo na rotina tudo acabou, definitivamente quando estive em Santos na casa do Cláudio e ela também. Curioso é que tudo acabou quando a vi de biquíni pela primeira vez na praia, só depois é que fiquei cerca de cinco anos curtindo dor de cotovelo.


Novamente Atel.


Foi uma época obscura na minha vida, eu perdi muito da minha alma de artista, se é que posso chamar assim, logo que chegou janeiro eu pedi demissão da loja Click, Heraldo estava ganhando tanto dinheiro que nem se importou, mais tarde ele voltaria a me procurar desesperado. Nessa ocasião eu fui chamado pela Julieta a decorar a ARPEL e depois o Flavio Gerhein me chamou de volta para a Atel , através do Rogério. Eu comecei como técnico publicitário e usava até um blazer e gravatas de publicitário e foi dessa forma que passei no vestibular de comunicações. Continuava fazendo decorações de lojas dos Delmonte e outros citados acima. Houve um natal que eu surpreendi a todos com um vitral enorme pintado a mão de uma madona que ficou decorando o centro da loja. Foi quando eu comecei a desenhar projetos de mesas de som para o Ricardo Tuboly e Paulo Bracher.


Universidade Federal de Juiz de Fora.


Fui aprovado no curso de comunicações sob o número 7512012, ou seja, fui o 12 lugar no curso nº 12 (comunicações) no ano de 1975, Nossa turma era muito boa. lembro do Rogério, cunhado do Décio Lopes, Regina Villela, uma loira ricaça muito bonita e Maria Aparecida Barral Ferreira que fora minha namorada quando eu dirigi teatro, ela agora nem olhava mais para mim. Entre os amigos tinha o Andersom, que andava sempre comigo e eu me destacava entre os melhores embora as notas não fossem lá muito altas, eu liderei a turma para fazermos um jornal do curso, foi uma polêmica, pois em plena ditadura eu não queria envolver em política, outros queriam, eu fiz uma página em quadrinhos toda com radicais gregos que professor de português elogiou e disse que se soubesse daquilo há tempo já teria me passado de ano e o jornal saiu: "Impressões" era o nome, mas foi só o primeiro número, pois dava muito trabalho e não levava a nada, nem avaliação no curso e me deixou meio surtado. No segundo semestre eu fiquei desiludido com a faculdade, pois não consegui vaga nas matérias básicas do curso e as poucas que entrei me desiludiram quanto ao jornalismo foi quando me matriculei em Desenho e Plastica. Então estudei junto com minha irmã de parte de pai Marília Schmidt. Nós tínhamos aulas de estética filosófica com o professor Joel Neves Tinha história da Arte com o professor Arthur Arcuri, dono da maior pinacoteca particular da cidade, tive desenho técnico e perspectiva e passei a gostar do curso, pena não ter feito vestibular direto de Desenho e Plastica.  Nessa ocasião eu voltei ainda mais uma vez ao teatro para representar
“Caligula” de Albert Camus, eu fazia o papel de “Helicon”. mas o grupo de teatro estava diferente, não era mais um grupo de amigos como antes era tudo mais profissional.


Sala 222.

No terceiro andar da galeria pioX , eu e Julinho alugamos uma sala para organizar meus trabalhos na cidade. Neca e Cabeção começaram a pintura, massa corrida, enfim, tudo que era necessário para um estúdio de criações, logo apareceram 2 meninas que já causaram atrito entre Neca e Cabeção e Julinho também saiu mas eu continuava, a princípio sem serviço mas como o aluguel era barato o Puca veio fazer serigrafia na sala e pagava o aluguel para mim.

Eu fui chamado para ser diretor de arte da revista “Momento” e Puca foi trabalhar no Banco do Brasil mas a "Momento" já estava em fase de dissolução, praticamente falida. Eu ainda arranjei uma namorada por lá entre as vendedoras de publicidade JANE e a gente chegou a ficar literalmente caidinho um pelo outro, mas não durou muito. ela nem quis conhecer meu atelier. Eu comecei logo a pegar mais serviços de projetos de lojas, comecei a vencer como decorador, Eduardo Delmonte me chamou para fazer o projeto da expansão da ARPEL e João e Beth, irmãos da Christina me chamaram para fazer a boutique da Delmonte da Marechal, eu passava o fim de semana com o pai da Christina pintando um "vitreaux" que havia projetado. O escritório de M.Jung que eu fiz em parceria com a Julieta foi um sucesso, eu pintei inclusive um quadro a óleo para a sala de espera.
e apareceu também um fabricante de tomadas elétrica encomendando-me um catalogo para sua fábrica. A imobiliária da Solar através do Sr. Alvarenga me descobriu não sei como encomendando-me 3 perspectivas de casas para o empreendimento "Jardim do Sol" ele gostou tanto que me mostrou uma pilha de projetos para os quais ele queria perspectiva (eu cobrava barato) mas eram edifícios e eu ainda não dominava bem essa perspectiva. Então ele me pediu mais desenhos para o "Jardim do Sol" Tive dificuldades para desenhar um levantamento topográfico com todos os telhadinhos das casinhas até que apareceu o psicótico do grilo (Fernando) e me ajudou, que mancada! O sujeito se alojou no meu estúdio e queimou meu nome na cidade, tudo acabou e eu fui para o Rio trabalhar com Heraldo na General Acoustics para o conde Giovanni.


De Volta ao mar.


Acabaram-se as lembranças do passado, ao meu redor era noite escura e o que me envolvia eram só as águas salgadas do Atlântico. Eram duas horas da madrugada do dia seguinte, já se passavam seis horas que eu estava perdido naquele oceano, ora nadando ora boiando, parecia que estava pronto para entrar no Reino de Hades, só precisava de uma moeda para o barqueiro Carontes quando derrepente ao longe refletia uma espuma branca de águas turbulentas onde estouravam sobre rochas íngremes as ondas de um mar em fúria. Foi para lá que eu me dirigi. Reunindo as últimas forças em um esforço sobre-humano eu me lançava contra a corrente arriscando-me a ser esquartejado contra as pedras pontiagudas dos rochedos, mas o impossível acontecera e eis que os meus pés cansados e dormentes puderam sentir sob si a segurança de terra firme de uma rocha ainda que escorregadia. Foi com muita cautela que escalei a pedra onde me encontrava, próximo da praia vermelha, logo subi as encostas e fui sair no forte Copacabana em estado precário, todo arranhado com os olhos inchados e envolto apenas com uma camisa na cintura no lugar das roupas debaixo. O militar que estava de sentinela, em plena ditadura militar só queria saber de onde que eu saíra e se tinha alguém para me identificar, eu sabia de cor o número do telefone do Pinel onde o Alonso estava fazendo estágio de doutorado, só então me deram um cobertor e um copo de café frio. Dali eu saí com o Alonso direto para o hospital Miguel Couto onde me examinaram, fizeram-me curativos e me aplicaram pomada oftálmica, pois eu quase não enxergava. Quando o Alonso me deixou na pensão da Betina o Cami todo excitado, dava gargalhada e foi buscar um fotografo e repórter do Jornal “O Dia”, mas foi só na manhã seguinte quando pedi licença no trabalho na Editora Globo é que Roberto Irineu Marinho pediu-me uma entrevista para “O GLOBO”. E no dia seguinte já em Juiz de Fora eu vi na manchete de 1ª página:


Minha foto estampada n’O Globo do dia 20 de maio de 1977.


Eu tive que contar a história a todos que me reconheciam no jornal e segunda feira quando volto a trabalhar eu notei que tinha aumentado meu índice popularidade no trabalho inclusive com as colegas do sexo feminino que antes nem me notavam, a Sandra Aymone agora conversava comigo mais amiúde e Margarete, sua irmã... Ah! Como era linda! Ela agora me procurava mais, porém o Ambrósio era apaixonado por ela. Como eu ficara conhecido na empresa até pelo Roberto Marinho não foi difícil para o Ambrósio e o Felipe Aguiar conseguir um aumento de salário para mim em mais de 200%, eu fiquei no mesmo patamar dos melhores. Como era bom trabalhar na nossa sala que era uma seleção de pessoas para criar com muitos privilégios: os quadrinhos nacionais. A gente não batia cartão de ponto, só tinha que apresentar produção, a gente tinha registro oficial de jornalista, eu só não retirei o meu porque os documentos caíram no mar. Havia muitas regalias para a equipe de criação, éramos os melhores. Com novo salário eu fui logo morar em Copacabana era mais uma vaga em um apartamento de uma viúva, eu não conseguia fiador com imóvel no Rio. Mas em Copacabana eu morava no posto seis perto da galeria Alasca e pegava sempre um lugar sentado no ponto final do ônibus que me levava à Editora Globo, o que era um grande conforto cruzar toda Copacabana todas as manhãs. Havia um judeuzinho pobre que morava comigo, a empregada da viúva que tomava conta do apartamento e outros quatros que eu não me lembro. A viúva sempre me reclamava que eu tinha muitas coisas comigo, prancheta de desenho uma cama com gavetas onde eu guardava o material de desenho etc. Aí surgiu a oportunidade de pegar o apartamento do Mario Amidem que o Fernando Bonini estava deixando, então chamei o Gustavo Machado para rachar o aluguel e fomos morar:


Praia do Flamengo nº 12 apartamento 1003.


Era um apartamento muito mal mobiliado com coisas bem antigas, uma geladeira pequena e um fogãozinho em uma cozinha de 50cmx50cm, mas o banheiro era maravilhoso e nos fundos se avistavam um pouco das árvores do palácio do Catete. Logo após o primeiro rancho comunitário o Gustavo não gostou da divisão das despesas e me deixou só no apartamento. Eu tinha pela primeira vez em 1977 um apartamento só para mim no Rio. Comecei a produzir bastantes trabalhos de free lance, todo fim de semana levava algum para faturar em Juiz de Fora, publicidade ilustrada para o Delmonte para o AzulPiso e projetos de mesas de som. Na Editora Globo começaram a pagar por trabalhos free lance de roteiros e histórias em quadrinhos e eu me juntei ao Ambrósio para fazê-lo e chamamos Margarete e Flavinho ex-marido da Sandra Aymone.


O ESTÚDIO da RUA DA PRAIA Nº 12 APARTAMENTO 1003.


Ambrósio trazia encomendas de roteiros da Editora Globo, eu trazia serviços de publicidades de Juiz de Fora, nós quatro ficamos muito amigos e quando a Margarete me perguntou pela minha amorosa, eu disse que havia cinco anos que gostava da Gláucia e nem tinha transado com ela, tudo que aparecia no meu apartamento era Marlene uma decoradora da GELLI, uma mulata que só servia como quebra-galho, depois que a Margarete deu o fora no Ambrósio, ele saiu do estúdio ficando só nós três. Houve um fim de semana que os dois faltaram, foram para a praia, sei-lá e eu tive que me virar sozinho com um lay-out de Juiz de Fora, na segunda apareceu a Margarete (sozinha no meu apartamento) dizendo que estava triste e precisava ter ido para a praia. Eu fui muito chato e nem aproveitei aquele mulherão sozinha comigo no apartamento, mais tarde eu vim a saber que ela comentava que eu não tinha a menor iniciativa, comigo era preciso “dar em cima” para conseguir ir para a cama, mas o destino escreve certo em linhas tortas e ela passou a fazer gancho da prima dela comigo.


Uma alternativa do Estúdio.


Foi quando uma noite me procuraram no Jornal do Brasil, onde eu era diagramador e ilustrador, para fazer ilustrações para livros infantis baseado em Monteiro Lobato. Eu sabia que era um serviço grande e que não poderia contar com Margarete e Flavinho, a principio eu chamei o Gustavo, mas ele desistiu e eu peguei o Itamar Gonçalves, nessa época eu era muito amigo do Itamar eu comprei uma moto no nome dele na Sear’s, pois havia pouco tempo que tinha sido aumentado o meu salário. Assim que comprei a moto que tinha duas chaves, eu fui à pedra do Leme e joguei ao mar uma delas pedindo proteção e eu circulava por todo o Rio com ela, para ir ao trabalho eu passava pelo perigoso túnel Santa Bárbara e nunca me aconteceu nada. Mas ainda tinha uns trabalhos de roteiros a fazer com Margarete e Flavinho e ela sempre me dizia que sua prima tinha tudo a ver comigo e eu não a conhecia ainda. A gente saia juntos como amigos e fomos a um centro de Umbanda em Jacarepaguá em novembro, eu fiquei fascinado ao ver a dança da Pomba Gira e na hora de tomar o passe contei para ela o vazio da minha vida sem a Gláucia. Ficou marcado de voltarmos ao centro outro dia, mas eu não fui e Margarete foi com prima dela e Ney Mato-grosso e Ambrósio.


O ENCONTRO.


Era uma quinta-feira, dia oito de dezembro de 1977, dia de Oxum, havia alguma força externa que me impedia de ir trabalhar no Jornal do Brasil, der-repente houve batidas na porta. Eu abro a janelinha e vejo Ambrósio,
Margarete e outra loura que eu achei deslumbrante com uma orquídea nos cabelos, eu volto para me vestir, me perfumar e abro a porta para eles. Ambrósio tinha trazido para mim a minha parte do pagamento dos roteiros, mas eu nem contei, só tinha olhos para a loira, falava com ela o tempo todo tantas coisas que me é difícil lembrar, eu estava excitado, eufórico e fascinado quando Margarete me disse:


Essa é minha prima Jussara.


Naturalmente eu já adivinhara, principalmente porque agora eu entendia quando Margarete me dizia que ela tinha tudo a ver comigo, sua voz suave com leve sotaque gaúcho murmuravam nos meus ouvidos com um encantamento fascinante, ela era a coisa mais linda que já vira surgir diante de mim, era uma estrela que resplandecera e brilhara na minha frente.
Nós fomos juntos até o centro de Umbanda em Jacarepaguá. Desta vez nem me preocupei em falar com a Pomba Gira, Eu só tinha olhos e ouvidos para Jussara, embora ela não falasse muito eu desdobrei um universo de promessas e cantadas para ela, disse até o que dizia para todas as outras que construiria um castelo de pedras e ela não esquece disso até hoje. Assim passamos a noite do dia de Oxum, ainda terminamos a noite na boate da galeria Alasca dançando fomos até a areia de Copacabana de mãos dadas, mas só rolaram uns beijinhos naquela noite.
No dia seguinte nós não nos falamos. nem por telefone e quando fui trabalhar no Jornal do Brasil eu contei o que acontecera para o Cami e ele disse dando gargalhadas:


Jairo! Tu estás CASADO e não tem volta, meu.


Neste fim de semana o Julinho veio para o Rio e ficou hospedado no meu apartamento e Jussara enfim me telefonou propondo que ela e uma amiga queriam sair comigo. Eu disse que tinha um amigo de Juiz de Fora hospedado comigo e poderíamos sair aos pares. Nós fomos em casais ao “Luna Bar”, barzinho da moda no Leblon. Foi um encontro maravilhoso para mim e Jussara, onde a gente se envolvia em palavras, olhares e seduções por todo o tempo, mas o Julinho se deu mal com a Bety, amiga da Jussara, pois ela era muito reservada.
Na saída o Julinho bêbado, contrariado e de saco cheio com a companhia gritava palavrões pela Rua Visconde Pirajá. Jussara nem ligava só tinha olhos e ouvidos para mim eu a chamei para irmos para um motel com cama redonda que eu conhecia no centro, chegamos lá não tinha quarto vago e ela timidamente me disse que conhecia um na rua Garcia Dávila em Ipanema. Já vinha raiando a madrugada quando juntos ficamos enfim sós. Que lindo! Como era Linda! Mesmo aos contratempos estávamos sorrindo e as flores que cobriam seus cabelos, se abrindo. Parecia nos dizer que não existia beleza maior que o encontro de um homem e uma mulher e foram tantos beijos loucos, tantas vezes de novo que até perdemos a conta de quanto éramos felizes. Oxum cumprira a promessa que fizera para mim no centro de Umbanda e então deixei a Jussara em casa e quando voltei para o meu apartamento haviam roubado a minha moto de tal maneira que nem deixaram vestígios. Depois me disseram na Editora Globo que aquela moto me desmoralizava muito por que era muito pequena para mim e foi bom. Depois que o Alonso soube, ele me deu de presente o resto das prestações a pagar, pois estavam em nome do Itamar.


DEZEMBRO DE 1977.


A vida renasce para mim e tinha um colorido como eu jamais tinha visto. a Ju dispensou minha cozinheira e todas as noites fazia um prato para nós, geralmente era um peixe, leve, ligth e gostoso, passou a me levar nas fabricas fashion onde comprou roupas novas para eu mudar o visual. Ela era compradora de roupas para a butique de Uruguaiana. Como ela sempre foi "cigana" vendeu roupas até para meus amigos na Editora globo, lá até Teresa que estivera sozinha em meu apartamento sem nada ter acontecido brincava agora comigo:
- O que é uma Ju na vida de um Jairo, hem! Como está mudado!
A vida passava como em um mar de rosas, naquele mês de dezembro de 1977  a Ju era tudo para mim e fazia tudo por mim, nós tínhamos o costume de gritar sem ninguém perceber quando atravessávamos por cruzamentos muito movimentados de ônibus e carros como no filme "gritos e sussurros". Nós, os dois tomávamos Hipofagin para fazer dieta e ficávamos sempre ligados aproveitando a vida ao máximo.
Paralelo a isto eu continuava na Editora Globo, tinha saído do Jornal do Brasil e parei de fazer free-lance em Juiz de Fora para dar mais atenção para a Ju. Na Editora Globo havia entrado para lá um paulista que a gente chamava de "Corintiano" que me levou para conhecer o estúdio da Som Livre e nós negociamos um aparelho de som, eu ouvia Belchior e Ju adorava Vinícius e Toquinho. Foi com o "Corintiano" que eu negociei à prestações, com uma judia que vendia jóias, um relógio "Jean Vernier" para presentear a Jussara no natal. Ju telefonava para mim na Editora Globo (234.2000) Eu adorava ouvir sua voz suave com leve sotaque gaúcho me chamando: - "Negro", e a gente marcava de se encontrar mais tarde, geralmente eu a levava para tomar um suco comigo em casa de pasteis de queijo na rua Senador Vergueiro e ela ficava horrorizada de ver eu comendo aquela fritura engordante, então uma vez eu a levei a um restaurante macrobiótico no centro do Rio, era moda naquele tempo, ela detestou aquelas comidas integrais sem tempero servidas com suco de laranja-lima quente, ela saiu do restaurante dizendo que queria agora um sorvete!
Na noite de 20 de dezembro de 1977, nós fomos novamente ao centro de Umbanda pedir proteção, eu pedia para abençoar nossa união que para mim já era para sempre, eu queria passar o resto da minha vida com ela ao meu lado. Veio o natal daquele ano, no apartamento do Sr. Claudi Pereira da Costa, pai de Margarete eu presenteei a Ju com a joia relojo "Jean Vernier" que tinha comprado a prestações da judia e um cartão desenhado por mim. Ela ficou deslumbrada e me disse a parte que aquela noite ia me matar de amor. Passamos o réveillon de ano novo depois na cobertura do hotel Miramar na avenida Atlântica em Copacabana e assim terminou aquele que foi o mês mais feliz de toda a minha vida.
Janeiro eu disse para ela que não gostava de ficar rebolando em uma boite segurando um copo na mão para dançar separado, ela ficou muito desapontada comigo pensando que eu não gostava de bailes, passou, mas foi nosso primeiro e único desentendimento. Nós íamos juntos à praia, coisa que eu não fazia mais quando estava sozinho. Conheci os primeiros uruguaianenses Benito Repiso, Beatriz e o irmão dela. A Ju tinha um corpo lindo deitada na areia, era uma deusa, mesmo ela dizendo que não tinha bunda.


Pena que nessa época eu não tinha nenhuma máquina fotográfica boa para guardar aquelas imagens. Também fomos como convidados da "janeiro Fashion show" onde Jussara comprou roupas para boutique. Lá todos nos achavam parecido um com outro que julgavam que fossemos irmãos.




Carnaval de 1978.


Quando chegou o carnaval de 78 eu a convidei para ir em Juiz de Fora, conhecer minha família e fugir do tumulto carioca, ela prontamente concordou comigo, fazia tudo que eu queria - O que é o amor! (anos mais tarde ela diria:)
 -Burra! minha única chance de passar o carnaval no Rio, fui me enfiar no meio do mato com o Jairo. Além de ir para Juiz de Fora, fomos para uma fazenda do pai da Júnia, que estava com Cláudio para fugir mais ainda do carnaval. Eu tinha que terminar as "artes finais" do trabalho do "Sitio do Pica-pau Amarelo" para a Bloch e ela me ajudou colorindo junto comigo. Havia um gaúcho nessa fazenda casado com uma irmã da Júnia e Jussara fez um carreteiro para uma dúzia de pessoas que foi o maior sucesso, o gaúcho serviu um prato lotado para si, que dava graça. Depois que voltamos para o Rio, houve uma denúncia para a mãe dela de que ela estava morando comigo no apartamento do Flamengo e que ela teria que voltar para Uruguaiana, ela me disse chorando e eu prontamente lhe disse:


Então!  Quer se casar comigo?


Marcamos o casamento para o mês seguinte, três meses depois de nos conhecermos. Eu tirava férias e iriamos nos casar em Uruguaiana, preparamos para a grande viagem, em uma quinta feira que eu entrei em férias a Ju sumiu com uma amiga e eu fiquei no apartamento sentado de braços cruzados sem nada fazer, no dia seguinte ela apareceu. Combinamos que iríamos por terra parando em São Paulo, onde ela visitaria seus primos Norberto, Bene e Moacir. Encontrei o Cláudio e Eli e Cláudio me emprestou sua máquina CANON para fotografar a viagem e o casamento e seguimos viagem pelo Litoral até Porto Alegre. Durante a viagem, quando lia Erico Veríssimo decidimos que nosso primeiro filho se chamaria "Rodrigo", mas ela dizia para mim que queria cinco "pimpolho" Nó partamos em Blumenau onde conheci uma amiga da Jussara e jantamos em um restaurante alemão, de lá partimos para Porto Alegre. A capital gaucha não tinha muitos atrativos na época, nada de shoppings e nem havia muitos restaurantes nós almoçamos no "Pampulha" lá na André da Rocha, Ju me dissera que ali perto ficava a casa de Portugal (estava fechada) e o pensionato onde ela estivera, depois fomos conhecer a Redenção, onde tirei algumas fotos      


Naquele tempo a revelação era tão cara que a gente contava as chapas para fotografar. Depois encontramos o Vinício e a Liene, fomos jantar com ele no restaurante chines "Pagoda" Era a primeira vez que comia frango xadrez e não gostei do amendoim e do pão úmido.Hoje eu adoro. Quando a tardinha chegou pegamos o trem húngaro às 19 horas e partimos em viagem com direção à:


URUGUAIANA


A primeira imagem que vi desta cidade foi a praça da ferroviária com ruas sujas e descalça, o próprio prédio da estação era decadente e abandonado com apenas poucos funcionários ali presente, logo veio a mãe da Jussara nos buscar em um Maverick branco, chegando em casa que eram duas casas grandes, uma de esquina e a outra tinha até uma figueira onde morava a vó da Ju, Constantina Ranquetat. Seu pai nos recebeu e disse para a Ju que tinham começado, mas não terminado de decorar seu quarto, Ele andava sempre com um cachimbo pela casa, muitas vezes lendo algum livro ou então pelo escritório no andar de baixo onde sempre tinha uma ou outra ideia de ganhar mais dinheiro. A família se reunia sempre na hora do almoço em cadeiras "Bauhaus" em torno de uma mesa redonda. Tinha Rubens e Jussara Osório que moravam na casa e Chimbeka que vivia atrás do Rubens. Naquele dia a diversão era fazer comentários sobre "mineiros", eu dava risada porque me considerava mais carioca do que tal. No dia seguinte, acordei e me levantei assim que o sol nasceu, achei que ia encontrar aqui no interior uma vida de fazenda, mas...Qual o que! Fiquei sozinho até as 10 da manhã conversando só com as empregadas. Em Uruguaiana a vida era tão calma como água de poço e o ar puro dava tanto sono que eu dormia todas as tardes no sofá lendo Tio Patinhas. Jussara passava grande parte do tempo com seu pai com o temor de ter que abandoná-lo em breve.

  

A primeira coisa que quis fazer quando cheguei por aqui era poder pisar os meus pés pela primeira vez no exterior, ainda que fosse em "Paso de los Libres" Sentir o sabor da culinária argentina, ouvir ao vivo palavras em espanhol em outra terra e sentir a emoção de atravessar pela primeira vez uma fronteira.

  

A primeira sensação que tive quando vi a cidade vizinha era que estava em um filme de "far west" quando como americano atravessava "El Rio Grande" da fronteira e entrava em território mexicano, as casas baixas com a presença de um único edifício do "Hotel Alejandro", os letreiros em espanhol, todos em Neon sobre a rua principal e a presença marcante da "gendarmeria" em tempos de ditadura latina, me lembrava até "Pancho Villa". A primeira vez que fomos jantar no restaurante do hotel Alejandro o Vinício me pede um "lomo a la pimienta" com bastante pimenta, só depois que fico sabendo que na Argentina é mais comum a pimenta do reno que detesto inteira. Uma das coisas que mais me impressionava tanto em Uruguaiana como em Libres eram as pessoas que passavam o dia sentadas nas calçadas, ora de um bar, ora da própria casa no centro comercial da cidade em cadeiras de praia tomando o chimarrão. As pessoas andavam de bota e  bombacha, as vezes alpargatas e nos pescoços lenços vermelhos. A cidade não tinha nenhum supermercado, somente aqueles armazéns e vendas de antigamente, não tinha banca de jornais e programação da TV chegava com um dia de atraso.
Marcamos o nosso casamento para o dia 26 de março de 1978, domingo de pascoa. Casamos na igrejinha do Carmo e houve uma festa no Juventude Atlético Club. Uma festa pequena para poucos convidados pois o tio da Ju dizia que casamento tinha que ter festa de qualquer jeito, com isto ficamos sem o presente da viagem para Buenos Aires



de "lua de mel", o que foi um mal começo no nosso casamento.
Voltamos para casa sem viagem, nem lua de mel, nem sequer no motel...À partir desse momento Jussara ficou triste porque iria deixar a segurança da vida com os pais para se aventurar sozinha comigo no Rio de Janeiro. Ela e sua mãe chegaram a chorar ao lado do Ciro, seu pai , para que encontrasse um jeito para eu morar em Uruguaiana, Ele até me propôs uma serie de negócios onde ele entrava com o capital e eu trabalharia mas eu disse que teria ao menos que terminar meu estágio de jornalista diagramador na Editora Globo. O fato é que Jussara a partir de então perdeu toda a sua alegria e vivia amuada e sem palavras, não participava mais de nenhuma alegria comigo. A vida seguiu adiante naqueles dias de 1978, fizemos viagens à Minas, onde Alonso nos levou por Congonhas do Campo até Belo Horizonte, Em Juiz de Fora levei Jussara até a casa do Oleg quando ele me disse que se ficasse no Rio com Jussara iria perde-la, voltamos ao Rio com um filhote de psitacídeo que não era papagaio, mas demos a ele o nome de "Aureliano". Recebi o dinheiro da Bloch e fomos gastar no "Porcão" hipermercado, onde comprei até lagosta, ia na praia com Jussara mas ela não se alegrava. A minha sogra chegou a nos visitar, ela pegou o ônibus e chegou lá no Rio, ainda dizendo que era bem fácil pegar o ônibus em Uruguaiana direto ao Rio (33 horas de viagem). Aí que tudo piorou de vez e eu fui forçado a aceitar a mudança para Uruguaiana.


A Mudança
Ano de 1978, mudança radical em minha vida que saí do Rio, cidade dos meus sonhos para morar no fim do mundo, nada era mais distante ou ainda mais longe do que Uruguaiana. Havia uma promessa por parte de meu sogro que montaria uma marcenaria para mim e cumpriu-se mas eu não esperava que fosse assim tão rude e arcaica, tão difícil pois era voltada só para carpintaria tosca e grotesca de aberturas, coisa que eu não entendia nada. Começamos a trabalhar com Pedro e Cuoco, dois carpinteiros locais, eles fizeram as aberturas de venezianas da casa 3.
Logo eles me deixaram e veio trabalhar comigo o velho Parragas.


Lauro Delgado foi uma amizade inusitada que surgiu nos meu primeiros contactos em Uruguaiana, com todo o meu palavreado e ideias novas do Rio de Janeiro, ele se fascinou com a minha pessoa que eu não entendia o por que de uma amizade tão desinteressada, mas não! eu é que não soube aproveitar em nada as oportunidades que Uruguaiana me trazia. Eu não entendia em nada as pessoas e a cultura local além de ainda trazer comigo toda a “neurose carioca”. Hoje eu sei que ele era um sujeito Legal, inovador e dinâmico sempre em busca de inovações. Ele me emprestava o carro, me levou em encontros com arrozeiros que curtiam a Califórnia e me apresentou para o Toni Ceolin para quem eu falava sobre marketing, out-doors e até sobre mesas de som. Foi onde eu fiz meu primeiro grande trabalho de marcenaria e decoração, decorei todo o escritório deles e fabriquei móveis com o Sr. Párragas de quem eu exigi um acabamento feito duas vezes (anos mais tarde o Arno reparou esse detalhe). O mais incrível é que eu  convenci  Lauro a fazer uma mesa de som, coisa que logo vi que era impossível em Uruguaiana, aí substituímos por uma abertura de louro na peça.
Casa Jacques
Eu continuava tentando tocar a marcenaria com o Sr. Párragas, nessa ocasião eu consegui me aproximar do pessoal da casa Jacques e fiz vários projetos para o Magno Tramunt, todos como visionários de transformar a casa Jacques em uma grande loja de departamentos (Não se falava ainda em shopping Center na época) e eu apresentava todo o meu currículo do Rio, da Globo, das Agências de publicidades, só o velho é que me perguntou de que serviria todas aquelas coisas, mas eu consegui assim mesmo uma espécie de colocação lá. Para o dia das crianças eu fiz um poster bem grande da Emília do Sítio e comecei a executar com o Cezinha parte dos projetos que apresentara, estava indo tudo bem até que a Jussara criou caso com a Cristina Tramunt e me dispensaram, mas ainda assim pouco depois me chamara para fazer uma frente em toda a fachada e eu executei junto com o Cezinha um letreiro de luzes sequenciais com centenas de lâmpadas que por milagre funcionou direitinho. Eu quase consegui um serviço grande de roupeiros embutidos com o Biassus (irmão da Salete) mas o Sr. Párragas se desgostou com o Rubens por causa de um berço da Bruna e saiu da marcenaria para se aposentar, foi aí que a marcenaria sem mão de obra especializada acabou totalmente. Com um pouquinho mais de sorte e maturidade eu teria vencido e tudo seria diferente.





Um comentário:

Unknown disse...

Se eu tivesse lido antes, com certeza estaria escrevendo:
Jairo, como você consegue se lembrar de tudo!
Por isto e por outras você é enesquecivel.

Cláudio